segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Reflexões a cerca de nossa militância cultural



Companheir@s da Cultura do nosso estado do Rio Grande do Norte.

Durante anos de nossa história enquanto artistas, saímos de lugar em lugar, patrocinador em patrocinador, fundação em fundação com os nossos “pires” em mãos, balançando e cheios de esperança para que alguma bondosa alma contribuísse com a nossa produção artística, tendo muitas vezes que adaptar nossa obra para que ela encaixe-se no perfil social de determinada empresa. E enquanto fazíamos isso, pudemos ver diversos grupos, coletivos e artistas se esvaírem em meio a ausência total de políticas públicas, partirem para outros estados, alçarem outros vôos e tudo porque não conseguimos, se quer, possibilitar ao Artista Potiguar o vislumbre de uma vida profissional digna e reconhecida. Não falo aqui daqueles que com tudo conseguem fugir a essa regra, estes são minorias, e toda política neoliberal necessita dos exemplos de superação para que possamos almejar a chegada aquele determinado patamar.

Falo dos que fazem arte por serem artistas e que por vias do “destino” (irônico destino) não tiveram cursos de “Produção Cultural”, não sabiam o que eram as chamadas “políticas públicas para arte”, nunca haviam concorrido a um único edital, nem sabiam o que era uma “Associação sem Fins Lucrativos” e muito menos sabiam que seria necessário se ter um contador para poder produzir arte.

Nos últimos anos tivemos uma verdadeira “virada de mesa” e que pegou muitos de nós com extrema surpresa. Tivemos que nos organizarmos das mais diversas formas, em câmaras setoriais, coletivos artísticos, fóruns, conferências e conselhos. Brigamos entre nós mesmos, nos enfraquecemos, ocupamos as citadas cadeiras, aprendemos! (aprendemos?) Depois de inúmeras consultas públicas e Conferências que aconteceram em todo o Brasil, nos lugares mais profundos desse país continental, editais frustrantes, leis excludentes, mas também de muitos outros resultados felizes e bem sucedidos como os editais FUNARTE, Pontos de Cultura, Mais Cultura e ações de Secretarias espalhadas em todo o Brasil, tornou-se necessário a criação de uma verdadeira política de ESTADO e no ano de 2010, em fins de Governo Lula, tivemos a tão sonhada aprovação do Plano Nacional de Cultura, que marca a história do Movimento Cultural do Brasil, a nossa tão sonhado “Política pública para a Cultura”.

Mas não adianta apenas aprovarmos este Plano. Lembro que todo plano deve ser elaborado. Mas nós que construímos um movimento Cultural à anos não devemos colocá-lo nas mãos de “intelectuais” que apenas pensam a cultura, somos nós que a fazemos, que estamos nas praças, nas salas de Teatros, nos auditórios, nas ruas, nas galerias, nas mãos da população, emocionando plateias, enraivecendo gestores, peitando policiais, educando, aprendendo e sonhando a cada dia com a nossa produção. Somos nós que devemos elaborar esse plano, em paridade com os gestores do Estado, ocupar os conselhos, pensar a agenda, fundamentar um organograma, pensar os editais. Este plano definirá a política de cultura do País, de suas Federações e municípios por 10 anos, não podemos começar errando, cheios de arestas. É importante nos prepararmos para esse momento e termos muita calma, pois é chegada a hora. Lembremos daqueles momentos de outrora em que nos reuníamos para chorar nossas mágoas, brigar pelos nossos ínfimos cachês, reclamar dos Autos e carnavais falidos de nosso estado, pois esqueçamos de tudo isso, ou melhor guardemos todas essas cenas como exemplos a não mais serem seguidos, chegamos à uma época em que a organização nos toma, a arte nos aplaca, e a sobriedade se faz necessária. Não nos emocionemos tanto, gosto muito de dizer isso, às vezes a emoção nos tira a razão, talvez seja duro para nós artistas tentar retirar a emoção das coisas, mas o que fazer quando o tempo é curto e a necessidade é extrema?

Reflitamos para a construção...


Abaixo faço alguns apontamentos em 5 eixos diferentes, talvez nos sirvam como importantes balizadores para a nossa reflexão enquanto artistas.


FRUIÇÃO E CIRCULAÇÃO

  • Festivais e Exposições para todas as linguagens artísticas com seleção idônea, transparente por meio de editais públicos;

  • Circulação da Produção Potiguar em todo o estado;

MONTAGEM E PRODUÇÃO

  • Apoio as diversas linguagens para a criação e produção de obras artísticas, por meio de editais de montagem;

MANUTENÇÃO

  • Apoio a grupos, coletivos, bandas e artistas para a manutenção de sua arte, esta não reduz-se a pagamento de espaços, gastos com água e luz, mas também para o campo do intelectual, oficinas de atualização de técnicas, Palestras, cursos de produção Cultural e etc...

PESQUISA

  • Faz-se necessário cada vez mais atrelarmos nossa arte à linhas de pesquisas fundamentadas, não só do artista vive a arte, temos uma rede de profissionais envolvidos e os Pesquisadores de Arte são muitas vezes esquecidos. O Rio Grande do Norte carece de críticos, são eles que fazem a arte do lugar circular na boca do povo, correr mundo. E a pesquisa é importante para formar esse movimento.

FORMAÇÃO

  • Os Pontos de Cultura desempenham no Brasil um papel importantíssimo para o desenvolvimento da educação brasileira, apontado como principal política pública para a Cultura do Governo Lula, atingindo as mais profundas camadas da sociedade, desescondendo o Brasil, mostrando nosso país de Baixo para Cima. Devemos colocar em pauta os Pontos de Cultura para o desenvolvimento dos nossos Planos Estaduais e Municipais, não que eles sejam os únicos caminhos para a formação, enquanto nos apresentamos estamos formando plateia, enquanto expomos nossas obras um público as apreciam, qualquer ação em prol do desenvolvimento da Cultura será formadora, transgressora e revolucionária.


Natal, 28 de Fevereiro de 2011


Rodrigo Bico. Ator, produtor e militante da Cultura

Grupo de Teatro Facetas, Mutretas e Outras Histórias

Coordenador da Rede Estadual dos Pontos de Cultura

Delegado de Teatro eleito para a Pré-Conferência Setorial de Cultura 2010

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A despedida de um artista afogado em si mesmo

Eu vi em teus olhos
(que você nunca pintou)
aquilo que quiseres dizer a vida toda

Você amou cada traço que desenhou

Você amou as alegorias que enfeitaram carnavais de outrora

Você amou cada retrato feito a pulso e grafite
Cada mendigo pintado a nanquim

Amou os índios a óleo
dizimados por homens que não amaram

Amou as pinturas sacras feitas em releituras de homens profanos

Fizestes questão de amar
até o último pulsar de teu coração
as tuas maiores obras
que não foram feitas a óleo
nem a carvão
e nem pela tinta fresca do nanquim
estas foram feitas de carne humana
e lapidadas a cada carinho de pai
pincelado por ti.

O que te diferiu dos homens comuns
foi a tua capacidade de não ter sido comum
e de não entenderem tua complexidade.

No dia que todos entenderem a verdadeira matéria
da qual, nós artistas, somos feitos
a humanidade será mais doce
o amor recairá sobre todos
e os sonhos deixarão de ser devaneios tolos
de homens simples
e tornar-se-ão realidade pura e fresca

e nos deixarão atônitos
assim como nos deixam
cada tela pintada por ti.


a Jobercé Alípio Filho (Tio Beceza, Becé) in memoriam

A investida de um Guerreiro solar frente uma terra fria



Que caiam trovões sobre a terra fria deste país continental
Tua voz descerá sobre as cabeças de um povo que não conhece a visceralidade que emana
das pancadas de teus dedos ensandecidos ao dedilhar melodiosos sonhos
em consonância com as tragédias protagonizadas por nós - pobres homens e mulheres
que não têm nem um pouco da humanidade de que nos fala tua música.

Não sejamos egoístas
não nos emocionemos tanto
não façamos de ti a música que queremos.

Teus bemóis não são meus
teus sustenidos estão acima de mim
uma pobre nota falsa, cansada de desentoar a cada compasso.

Tua clave de sol será nova a cada território pautado
pela tua impiedosidade.

Mas antes alçar vôo
deixa eu dizer-te palavras com ritmos mais brandos que tua voz
e mais descompassado que tua música...

A cada sol novo que nasce
nasce em mim um novo dia
e cada estrela só brilha o suficiente para aquecer o seu povo
mas o teu cosmo não é detentor de nenhuma nação.

Por onde passares
estremecerás a terra
incadeiarás a vista daqueles que não veêm
e os banhará com os mais doces frutos
que a poesia da tua música representa.



em homenagem a Júlio Lima